Duarte Miranda, membro do Coimbr’a Pedal, começou por fazer uma breve apresentação das associações e entidades presentes e seguiram-se breves apresentações sobre diversos temas relacionados com a mobilidade em geral, e a mobilidade ativa e ciclável em particular:
- João Bigotte, professor da Universidade de Coimbra, falou-nos sobre os efeitos nefastos da hiper-dependência automóvel e o seu relacionamento simbiótico com o desenvolvimento urbano. Apresentou-nos estratégias para melhorar não só a sustentabilidade dos transportes mas também a utilização do espaço público, incluindo a filosofia da cidade dos 15 minutos. Terminou chamando a atenção para as diversas escalas temporais do planeamento urbano.
- Ana Bastos, vereadora da Câmara Municipal de Coimbra com o pelouro dos Transportes e Mobilidade abordou a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (ENMAC), o estado atual da rede de ciclovias em Coimbra, as medidas já implementadas pela CMC e as que estão previstas no Plano Ciclável de Coimbra. Chamou a atenção para a importância da mudança da cultura de mobilidade de Coimbra e lamentou a falta de iniciativa da Universidade de Coimbra neste sentido.
- Luís Vieira, coordenador geral dos comboios de bicicletas operados pela Cooperativa Bicicultura, propôs-nos a metáfora de que tal como uma chave precisa de rodar vários pinos em simultâneo para abrir uma porta, também a adoção da mobilidade ciclável requer uma atuação simultânea e concertada em vários eixos: infraestrutura, familiaridade, fluência e acesso. Apresentou-nos a experiência da Bicicultura na organização de Comboios de Bicicletas entre outras iniciativas promotoras da cultura ciclável.
- Luís Oliveira, membro do Coimbr’a Pedal, resumiu sinteticamente o contributo conjunto da Coimbr’a Pedal e da MUBi para o Plano Ciclável de Coimbra: redução do limite geral de velocidade para 30 km/h dentro da cidade, mais medidas que acelerem a mudança da cultura de mobilidade em Coimbra e um Plano de Mobilidade Urbana Sustentável que seja efetivamente participativo.
- Vera Diogo e Mário Alves, dirigentes da MUBi (Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta) convidaram o público a espreguiçar-se e a evocar as suas memórias com a bicicleta, salientando a sua importância na relação física e emocional que desenvolvemos com a cidade. Em seguida, elencaram os seus princípios orientadores para a redução do perigo rodoviário, ilustrados com bons exemplos de outras cidades europeias no que toca a políticas de estacionamento, desenho urbano, limites de velocidade e outras medidas promotoras da mobilidade ciclável. Divulgou-se a campanha da ECF a propósito das eleições europeias, na qual a MUBi colaborou, instigando os candidatos a comprometerem-se com a Declaração Europeia da Bicicleta, assinada a 3 de Junho, Dia Mundial da Bicicleta. Os grandes empregadores de Coimbra (CM Coimbra, Universidades, Hospitais, etc) foram desafiados a educarem, planearem e liderarem pelo exemplo. Por fim, chamou-se a atenção para o facto de 80% dos sinistros com bicicletas terem lugar nas interseções, razão pela qual a proteção das interseções deve ter prioridade sobre a construção de ciclovias em retas onde os sinistros são muito menos prováveis.

Seguiu-se um debate em torno do Plano Ciclável de Coimbra e mais genericamente da estratégia de Coimbra para promover a mobilidade em bicicleta e os seus desafios culturais, políticos e técnicos.
O Plano Ciclável de Coimbra (PCC) foi um desenvolvimento muito positivo. Pode no entanto um plano destes cingir-se a ser um plano de ciclovias? Mário Alves defendeu que é necessário que todos trabalhem juntos no sentido de mudar a mobilidade: equipas de educação e desporto, e não apenas arquitetos e engenheiros. Defendeu também que a mudança só poderá ser feita com grande participação da comunidade em geral para que se possam construir consensos. Lamentou que, ao contrário de Espanha, estejamos ainda longe da redução do limite de velocidade dentro das cidades para 30 km/h e que o excesso de velocidade ainda é largamente tolerado ou até mesmo aceite na nossa sociedade. Duarte Miranda louvou a abertura da CM Coimbra ao tornar o PCC público e ao promover a sua discussão. Ana Bastos concordou com a importância de obter consensos e chamou a atenção para o risco de um sinistro com bicicleta atrasar a adoção da bicicleta em Coimbra o que justifica a sua relutância em promover a utilização da bicicleta antes de existirem plenas condições de segurança ao nível da infraestrutura. Sublinhou novamente a importância de educar para os perigos do excesso de velocidade. Duarte Miranda lembrou que o PCC já prevê a criação de grandes zonas 30 em vários bairros.
Podemos incluir medidas de curto-prazo no PCC tais como ciclovias pop-up ou estreitamentos de vias? Ana Bastos respondeu na afirmativa mas lamentou a falta de financiamento. O financiamento começa a surgir e ficaram prometidas algumas medidas deste género num futuro próximo. Duarte Miranda apontou para as alterações temporárias implementadas no âmbito das obras do Metrobus como exemplos de medidas que se podem implementar muito rapidamente. Ana Bastos desafiou-nos a propor medidas desse género mas assinalou que, se por um lado a conjetura das obras do Metrobus trazem oportunidades para reformular algumas vias, por outro lado a população pode estar pouco recetiva.

O que significa ser Bicycle Mayor do Porto; Coimbra beneficiaria em ter um pelouro semelhante? Vera Diogo esclareceu a relação com a organização BYCS, com sede em Amesterdão que trabalha para promover a utilização da bicicleta um pouco por todo o mundo, e, entre outros projetos, tem a Bicycle Mayor Network. Os Bicycle Mayors são agentes dessa promoção e a sua inserção numa rede internacional traz diversas vantagens, como a partilha de experiências e oportunidades internacionais. Sugeriu que qualquer pessoa envolvida, por exemplo, na Coimbr’a Pedal, se pode propor para ser Bicycle Mayor, bastando enviar uma candidatura com cartas de apoio de algumas organizações com intervenção local. Esta figura trará outra visibilidade e particularmente uma plataforma internacional para a divulgação das ações desenvolvidas. Mário Alves assinalou que a Ana Pereira, sócia #1 da MUBi e fundadora da Bicicultura, é a Bicycle Mayor de Lisboa.
João Bigotte defendeu que é essencial apostar nas escolas para que haja uma mudança cultural mas chamou a atenção para a localização das escolas, por vezes localizadas longe das zonas residenciais, o que inviabiliza o modelo das cidades de 15 minutos. Deve ser possível às nossas crianças e jovens fazer o seu percurso escolar até ao ensino secundário dentro da sua área de residência e que a infraestrutura ciclável se deve adequar aos diversos níveis de autonomia e maturidade ao longo desse percurso. As nossas cidades têm promovido a acessibilidade através da velocidade, mas temos de caminhar para a acessibilidade por proximidade, dando condições para a mobilidade ativa. João Bigotte terminou a sua intervenção assinalando que é muito difícil mudar hábitos de mobilidade e desafiou Coimbra a aproveitar a oportunidade de receber 5 e 6 mil caloiros que não têm ainda carro e que estão numa fase formativa dos seus hábitos de mobilidade, e a procurar dar-lhes condições para que não sintam a necessidade de ter um carro e mudar mentalidades. Vera Diogo questionou qual a percentagem de estudantes que utilizam a bicicleta, ao que João Bigotte respondeu que era pouco significativa. Ana Bastos aproveitou para abordar a questão da gratuitidade dos transportes públicos, medida tentada junto dos estudantes. Os dados mostram que a gratuitidade do passe dos SMTUC não tem efeitos a nível de transferência modal e que a frequência, fiabilidade e conforto são os fatores determinantes. Mário Alves observou que quando uma pessoa faz uma mudança de casa, de ambiente, de cidade, é quando toma decisões de mobilidade pelo que a Universidade de Coimbra tem a responsabilidade de intervir nesse momento crítico que é a receção de novos estudantes e lamentou a prevalência do automóvel nos campus universitários por todo o país quando as universidades deveriam ter um papel de liderança e de exemplo na nossa sociedade.

Estará Coimbra condenada a passar pelos mesmo erros que passou a rede ciclável de Lisboa, recentemente identificados pela consultora Copenhagenize? Mário Alves chamou a atenção para os perigos inerentes à solução das ciclovias bidirecionais e apontou para medidas de acalmia de velocidade, tais como a criação de chicanes e a redução de raios de viragem como medidas prioritárias. Propôs a ideia de que a mobilidade ciclável é um efeito secundário de um bom desenho urbano e critica o excessivo foco na métrica do número de km de ciclovias construídos quando muitas vezes as ciclovias são feitas em cima do passeio, roubando espaço aos peões e gerando conflitos. Vera Diogo destacou o papel importante que as ciclovias têm para pessoas com mobilidade reduzida.

Devem as autarquias ser mais incisivas e ambiciosas na execução dos seus planos de mobilidade? Luís Vieira abordou a questão das autarquias trabalharem com ciclos de 4 anos e que é difícil obter resultados num ciclo tão curto. No entanto, relembrou que após as críticas iniciais em reação à mudança, vem a aceitação sempre que as intervenções são bem feitas. Mário Alves corrobora esta ideia e propôs então que se comecem as obras nos inícios de mandato e relembra a importância da participação pública alargada e sugere o modelo de Conselho de Cidadãos. Ana Bastos concordou que é praticamente impossível implementar grandes mudanças no primeiro mandato e deu alguns exemplos das forças de bloqueio dentro da cidade, desde famílias com 7 automóveis até organismos públicos que não querem abdicar dos seus lugares de estacionamento. Vera Diogo chamou a atenção para a excessiva segmentação dos setores e a insuficiente integração da mobilidade nas políticas de educação ambiental.

Perguntas do público:
- Tal como se perdeu a oportunidade de incorporar canais cicláveis ao longo do canal do Metrobus, estaremos a perder a oportunidade das obras do Metrobus e do seu impacto no tráfego automóvel para procurar incutir padrões de mobilidade alternativos? Ana Bastos assinalou que a oferta de estacionamento tem sido reduzida substancialmente e que na zona histórica de Coimbra o trânsito automóvel está condicionado e em muitas zonas limitado a residentes. Quanto às obras do Metrobus, por um lado tem havido o cuidado de tentar minimizar a quantidade de obras em simultâneo, por outro lado a população tem reagido aos constrangimentos e tem havido uma redução do tráfego automóvel mesmo em hora de ponta. É importante aumentar as zonas de estacionamento tarifado, mas a vereadora defende que primeiro devemos oferecer a “cenoura” (Metrobus, p. ex.) e num momento posterior aplicar o “bastão” (reduzir e tarifar a oferta de estacionamento). A vereadora defendeu que a política de estacionamento será condição necessária para promover e rentabilizar o Metrobus e para devolver o espaço público às pessoas, frequentemente tomado pelo estacionamento abusivo. A equipa técnica da CM Coimbra interveio para mencionar que o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) está em curso e que a política de estacionamento e a sua relação com o Metrobus e o Hospital é um dos objetos de estudo. Ana Bastos salientou que tais planos requerem determinação política para que se tornem realidade e que lembrou que também a oferta dos SMTUC está a ser revista. Luís Vieira trouxe a ideia de que “o equilíbrio do trânsito é o caos”: o sistema de mobilidade de uma cidade é um sistema dinâmico que vai reagir à redução da oferta de estacionamento, mas vai haver queixas de défice de estacionamento independentemente dos níveis de oferta. Pegando na metáfora da cenoura e do bastão sugere que é importante oferecer alternativas (p.ex., estacionamento de bicicletas à porta do hospital) ao mesmo tempo que se reduz a oferta de estacionamento. Mário Alves salientou como virtude dos planos de mobilidade o facto de permitirem apresentar no mesmo pacote medidas positivas e negativas e que isso é mais fácil de explicar politicamente, sendo mais difícil aplicar medidas restritivas a posteriori. Para que isso funcione, é necessário que os planos sejam públicos, participados, calendarizados, orçamentados e consensualizados junto das várias forças políticas e cívicas da cidade. Assinalou também que o fenómeno da redução de tráfego observado em Coimbra tem o nome académico de “evaporação de tráfego”.
- Porque é que Portugal ainda não reduziu o limite de velocidade dentro da cidade para 30 km/h à semelhança do que aconteceu em Espanha (primeiro em Pontevedra e depois a nível nacional) e porque é que há uma crónica falta de fiscalização de estacionamento ilegal e outras violações do Código da Estrada? Vera Diogo respondeu taxativamente: sim, temos um problema de fiscalização, mas também um problema cultural. As polícias toleram o estacionamento abusivo, alegam falta de recursos e têm como prioridade apenas o estacionamento ilegal que afete a circulação automóvel. Mário Alves observou uma semelhança entre Pontevedra e Coimbra: ambas têm um médico como presidente de câmara; os problemas de saúde pública induzidos pela excessiva dependência do automóvel merecem a nossa atenção e foi isso que aconteceu em Pontevedra. Quanto ao sentido de impunidade dos condutores portugueses, assinalou que o seu comportamento muda assim que atravessam a fronteira para Espanha. A “caça à multa” em Portugal é um mito: na Holanda há 425 multas [de excesso de velocidade, anuais] por cada 1000 habitantes e em Portugal 43, 10 vezes menos. Defendeu que a melhoria na fiscalização em Portugal passará por ter muito mais radares de velocidade e ter radares invisíveis para além dos visíveis. Ana Bastos afirmou conhecer bem o exemplo de Pontevedra e admirar a sua coragem política; destacou que em Pontevedra se progrediu usando projetos-piloto (p. ex. através de colocação de floreiras). Lamentou que em Coimbra seja comum haver quem remova esse tipo de mobiliário urbano ou outros obstáculos à passagem dos automóveis. Lamentou também que não seja possível requalificar espaços públicos sem grandes quantidades de pinos para evitar o estacionamento abusivo e que o presidente da câmara de Coimbra é fortemente criticado nas redes sociais cada vez que anuncia e investe no aumento da fiscalização do estacionamento. Apontou para um modelo semelhante à EMEL de Lisboa e também para a fiscalização com recurso a meios tecnológicos como uma solução no futuro.

Caminhando para o final do debate, Luís Vieira assinalou que a bicicleta partilha muitas das virtudes do automóvel como meio de transporte individual. Defendeu que um sistema de bicicletas partilhadas tem de ser público e que esse tipo de sistema é transformador para os jovens em particular. Na sua opinião o investimento num sistema destes é tão importante como o investimento em infraestrutura.
Mário Alves voltou a defender que os pacotes de mobilidade devem incluir medidas positivas e negativas em simultâneo e que não será o Metrobus que evitará críticas nas redes sociais ao presidente da câmara em resposta a medidas de restrição do estacionamento. Sugeriu, jocosamente, que se deve tirar a palavra-passe do Facebook ao presidente da câmara e que se evite condicionar em demasia as políticas públicos com receio das redes sociais. Duarte Miranda observou que as redes sociais nos trazem uma visão enviesada da opinião pública e que muitas pessoas veem o combate ao estacionamento ilegal de maneira positiva.
Fechámos o debate agradecendo a todas as entidades e pessoas envolvidas.

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